11/04/2013 - Insanidade ideológica


Denis Lerrer Rosenfield

Presos, são logo soltos, cumprindo pequenas penas, absolutamente desproporcionais aos atos cometidos. Estuprar, roubar e matar compensa!
Por Denis Lerrer Rosenfield – O Globo – 08/04/2013
 O trivial, por força de repetição, torna-se banal, por mais aterrador que eventualmente possa ser. Acostumamo-nos com determinados fatos como se fossem “normais”, quando, na verdade, são expressões de uma profunda anomalia. Perde-se a capacidade de indignação, enfraquecendo os indivíduos moralmente. Sem essa força moral, a sociedade cai na apatia e, o que é pior, na conformidade com o imperdoável.
Dois fatos são particularmente importantes para frisar esse estado de espírito. Pertencem às páginas policiais, porém deveriam fazer parte do político no mais alto senso, o da congregação dos cidadãos em torno de uma vida pública regida por valores morais.
No Rio de Janeiro, cinco pessoas, dentre as quais um menor, estupraram uma jovem turista estrangeira em uma van. O fato ganhou dimensão internacional, por tratar-se de uma estrangeira, obrigando as autoridades policiais a uma ação eficaz, pois a repercussão ultrapassou nossas fronteiras.

O mais estarrecedor, contudo, reside no fato de que o mesmo bando já havia estuprado pelo menos mais duas mulheres, essas brasileiras, que, infelizmente, não contaram com o apoio da opinião pública internacional. Os estupradores transitavam livremente pela cidade, sem ser maiormente incomodados. O seu “erro” foi o de terem estuprado uma estrangeira. 

A partir daí, os criminosos foram encontrados, outros “feitos” seus foram estabelecidos, dentre os quais roubos e crimes sexuais. Logo, trata-se de pessoas já conhecidas por seus crimes, que perambulavam livremente pela cidade. A questão que se coloca é a seguinte: como tais indivíduos passeiam pelas cidades sem serem incomodados? 

No Brasil, está se desenvolvendo uma insanidade ideológica, baseada em uma “interpretação” muito singular dos direitos “humanos”, segundo a qual tais pessoas assim agem por condicionantes sociais ou psicológicas, passíveis de recuperação. Presos, são logo soltos, cumprindo pequenas penas, absolutamente desproporcionais aos atos cometidos. Estuprar, roubar e matar compensa! 

Mulheres estupradas e pessoas assassinadas são consideradas, nessa lógica, fora dessa esfera particular dos direitos “humanos”, pois os verdadeiros beneficiários desses “direitos” são os criminosos. Esses agradecem o apoio ideológico que termina lhes conferindo impunidade! 

Um dos maiores filósofos morais da humanidade, Kant, considerava que há crimes irremissíveis. Crimes que não podem ser perdoados, crimes que deveriam tirar essas pessoas de circulação, pois são perniciosas para a coletividade. Há indivíduos cuja propensão para o mal é irrecuperável, fazendo parte dessa dimensão também aterradora da natureza humana. O ser humano é capaz dos mais nobres atos morais quanto dos mais vis e cruéis. Essa é a sua natureza. Políticas públicas, dentre as quais a penal e a prisional, que não levarem a sério essa concepção estão fadadas à ineficácia, à futilidade e ao descaso para com o bem público.

 Beccaria, frequentemente citado por defensores dessa interpretação muito particular dos direitos humanos, por ter proposto a abolição da pena de morte, não o fez por considera-la cruel, mas porque a considerava não suficientemente forte. Pensava que indivíduos que cometiam esse tipo de crime deveriam ser retirados do convívio humano para sempre, com prisão perpétua e trabalhos forçados. Deveriam pagar pelo que fizeram. Kant, por sua vez, era um claro defensor da pena de morte. 

No crime do Rio houve o envolvimento de um menor. Em São Paulo, uma gangue de crianças faz arrastões em avenida que liga São Paulo a São Caetano. Assaltam motoristas em plena via pública. São identificados, eventualmente presos em flagrante, e, pela sua condição de menores, logo soltos. Pela lei, não podem ser presos, são encaminhados ao Conselho Tutelar, que os entrega à suas mães, voltando imediatamente à rua para a prática de novos crimes. 

Dada natureza da lei, no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, a polícia nada pode, ficando, literalmente, de mãos amarradas. Em vez da proteção dos cidadãos, são obrigados a serem observadores de crimes. Os papéis estão completamente distorcidos, senão pervertidos, por uma lei que é considerada um grande avanço dos direitos humanos. Avanço mesmo é na insanidade ideológica. 

O Estatuto estabelece condições restritivas para o trabalho dos adolescentes, frisando que devem, sobretudo, estudar. Graças a essas restrições, esses jovens terminam nem estudando, nem trabalhando, oferecendo-se a eles a alternativa do crime, coberta pela impunidade. 

O trabalho forma. Há instituições como o Ampliar, em São Paulo, voltadas para a formação de jovens, que se encontram com as mãos amarradas. O seu trabalho poderia ser muito mais bem utilizado, servindo de exemplo para todo o país, se o Estatuto da Criança e do Adolescente fosse objeto de uma profunda revisão. 

Peguem ainda o caso do menor estuprador do Rio de Janeiro. Se pego, ficará poucos anos numa instituição para menores, sendo depois liberado com a ficha “limpa”. A situação é a seguinte: temos o estuprador e, também, o assassino da ficha limpa. Voltarão à rua para cometerem outros estupros, roubos e assassinatos. Aprenderam com nossas leis “humanas” que o crime compensa. Os humanos objetos de seus atos nada contam nessa perspectiva. São eles que são tirados de circulação. 

Uma das questões que devem ser seriamente tratadas é a da diminuição da idade da responsabilidade penal. Menores criminosos são responsáveis de suas ações. Na Grã-Bretanha é assim e, no entanto, ninguém irá dizer que é um Estado “inumano” ou socialmente injusto. A permanecer a situação atual, menores criminosos continuarão a ser considerados como irresponsáveis, tendo o caminho do crime aberto à sua frente, sem nenhuma punição relevante. São tratados com leniência. 

Aprendem com o crime, em vez de dele serem afastados por leis rigorosas e por políticas públicas baseadas no trabalho e nas responsabilidades sociais e individuais. 

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul 

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