19/04/2013 - Um grito de guerra suspenso no campo


 

Em Mato Grosso do Sul, 45 mil guaranis-caiovás e 100 mil fazendeiros vivem iminência de conflito armado

Germano Oliveira

Enviado especial


DOURADOS (MS) Índios e fazendeiros estão em pé de guerra em Mato Grosso do Sul por conta da disputa por terras. São cem mil fazendeiros organizados, muitos contratando seguranças armados, contra 45 mil guaranis-caiovás pintados para a guerra. O estopim do conflito é um conturbado processo de demarcação de terras indígenas iniciado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Funai, que ameaça avançar por terras dos fazendeiros tradicionais. Intranquilos, os ruralistas se mobilizam para repelir a entrada dos índios em suas terras e se articulam no Congresso contra a demarcação. Acampados, os índios aguardam o processo num clima de ansiedade e esperança de que se encerre um ciclo de fome, discriminações e perseguições.
Os que já têm reservas demarcadas vivem em aldeias apertadas, sem recursos. Muitos ficam dependentes de drogas e álcool. Outros se suicidam por falta de perspectivas, de terra e alimentos. Acuados, às vezes reagem aos fazendeiros com arcos e flechas. E o maior número de mortes está do lado indígena, a parte mais frágil nesta guerra.
Hoje, Dia do Índio, vence o prazo dado pela juíza Raquel Domingues do Amaral Corniclion, de Dourados, para que os guaranis-caiovás desocupem a área da fazenda de Orlandino Machado, de Caarapó, que matou com dois tiros na cabeça o índio Denilson Barbosa, de 15 anos, da aldeia de Pindoroky.
O índio pescava na lagoa da fazenda quando foi alvejado pela carabina de Machado, no último dia 18 de fevereiro. O fazendeiro confessou o crime, mas responde em liberdade. O corpo de Denilson foi enterrado no acampamento dos guaranis-caiovás dentro das terras de Orlandino, consideradas indígenas. Réu confesso, o fazendeiro pediu na Justiça a reintegração de posse. De quebra, a juíza determinou que os índios exumem o cadáver de Denilson. Os índios teriam até hoje para cumprir a decisão, mas o Tribunal Regional Federal de São Paulo suspendeu na tarde de ontem o despejo.
A situação dos guaranis-caiovás, segunda maior comunidade indígena do Brasil, já foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das mais vulneráveis do mundo. Nos últimos sete anos, segundo relatório do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), morreram pelo menos 250 índios no conflito por terra no Mato Grosso do Sul, entre eles, 12 líderes indígenas assassinados por fazendeiros. Ninguém foi preso até hoje. Essas mortes significam 55,5% dos 452 assassinatos de indígenas em todo o país no período.
Os assassinatos e as ameaças à sobrevivência dos guaranis-caiovás motivaram o Ministério Público Federal e a Funai a firmar, em 2007, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para a demarcação das terras indígenas. Hoje, esses índios têm oito reservas legalmente constituídas, mas eles se sentem estrangulados nas comunidades. O TAC criou seis grupos de trabalho para identificar áreas a fim de que a Funai possa expedir novas portarias demarcatórias. Os estudos foram estabelecendo como terras indígenas áreas de fazenda, o que levou centenas de agricultores à Justiça.
- A Funai e o governo federal criaram insegurança jurídica na região. As propriedades estão tituladas pelo governo há 50, 100 anos, numa área que pode ir de um a três milhões de hectares. O cidadão dorme produtor rural e acorda sem-terra - protesta Carlo Daniel Coldebelli, advogado da Federação da Agricultura do Mato Grosso do Sul (Famasul).
O procurador da República em Dourados, Marco Antonio Delfino, rebate o argumento dos agricultores contrários às demarcações. Diz que, somente após a Guerra do Paraguai, os guaranis-caiovás receberam 500 mil hectares de terras de Dom Pedro II pela participação na guerra. O procurador não sabe a área total a ser demarcada.
- Os índios ocupam 0,3% do território do estado. Mesmo que a área demarcada atinja 300 mil hectares, não chegaremos a 1% das terras do estado.
Para Delfino, a União ajudou a tirar índios de suas terras e tem obrigação de reassentá-los.
- O Estado brasileiro é culpado pelo clima de conflito. Não dá para colocar 45 mil indígenas debaixo do tapete, a pretexto de dizer que vamos inviabilizar a produção agrícola.
O deputado estadual José Teixeira (DEM), líder dos fazendeiros e que tem parte de sua fazenda Santa Claudina, de 5.200 hectares, ocupada por 40 famílias guaranis-caiovás, está mobilizando a bancada ruralista na Câmara dos Deputados para instalar uma comissão parlamentar de inquérito contra as demarcações em Mato Grosso do Sul.
- Os índios formulam falsas denúncias contra os produtores. Dizem que desmatamos e sobrevoamos aldeias com aviões lançando agrotóxicos. O Ministério Público manda correspondências aos bancos dizendo que não devem nos financiar porque ocupamos terras indígenas. Comprei a fazenda em 1965 e não tinha índio - disse José Teixeira.
O advogado dos fazendeiros, Cícero Alves da Costa, diz que a intranquilidade ocorre porque o MPF e a Funai consideram como terras indígenas áreas ocupadas por ancestrais, quando o artigo 231 da Constituição prevê que a identificação de terras indígenas deve ser feita pela presença de índios na terra até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
-Está havendo ilegalidade na demarcação, ofendendo o direito à propriedade. Se o critério for antropológico, toda a terra brasileira é indígena, pois em 1500 só tínhamos índios - argumenta o advogado.
fonte:  via resenha

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