21/01/2015 - Propostas desmilitarização das polícias
Recomendações da Comissão da Verdade já são tema de propostas legislativas
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
A desmilitarização das polícias estaduais é uma
das oito recomendações de mudanças legais que fazem parte do relatório
da Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregue em 10 de dezembro de 2014
à presidente da República, Dilma Rousseff, e ao presidente do Senado,
Renan Calheiros.
Também são sugestões da comissão: a revogação
da Lei de Segurança Nacional; a tipificação dos crimes contra a
humanidade e de desaparecimento forçado; a extinção das Justiças
Militares estaduais; a exclusão dos civis da Justiça Militar
Federal; a supressão de referências discriminatórias a homossexuais na
legislação; a eliminação da figura dos autos de resistência; e a criação
de auditorias de custódia.
No documento, fruto de um trabalho de dois anos e
sete meses, a CNV ainda responsabiliza por crimes contra a humanidade
377 pessoas, das quais 359 atuaram no período do regime militar
(1964-1985). A comissão tomou 1.121 depoimentos para apurar atos
praticados por agentes repressivos do Estado, especialmente torturas,
assassinatos e desaparecimentos de militantes de oposição à ditadura.
A maior parte das recomendações de mudanças legais
que constam do relatório da CNV já tramitam no Senado ou na Câmara. Em
encontro com o coordenador da CNV, Pedro Dallari, Renan Calheiros
prometeu apoio à tramitação das propostas, ressaltando que algumas
exigirão alterações da Constituição.
Desmilitarização da polícia
A principal modificação no sistema de segurança pública é tema da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51/2013,
do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que prevê a reformulação do modelo
de polícia adotado pelo Brasil e determina a desmilitarização da
corporação hoje encarregada do policiamento das ruas e da manutenção da
ordem pública.
“A excessiva rigidez das polícias militares deve ser
substituída por maior autonomia para o policial, acompanhada de maior
controle social e transparência”, justifica o senador. De acordo com a
PEC — redigida com o apoio do ex-secretário de Segurança Pública do
Ministério da Justiça Luiz Eduardo Soares —, essa mudança deve vir junto
com uma política de valorização desses profissionais, inclusive com o
pagamento de salários melhores.
A proposta define a polícia como "uma instituição de
natureza civil com o propósito de proteger os direitos dos cidadãos e de
preservar a ordem pública democrática a partir do uso comedido e
proporcional da força". A proposta dá aos municípios o direito de criar
suas polícias e atribui à União a competência de estabelecer as
diretrizes gerais para a área de segurança pública.
A matéria tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em conjunto com a PEC 73/2013 , que trata de assunto semelhante.
Auto de resistência
No Plenário da Câmara, aguarda votação o Projeto de Lei (PL) 4.471/2012,
que aumenta o rigor na apuração de mortes e lesões corporais
decorrentes da ação de agentes do Estado. De acordo com seus defensores,
a norma pode ser um dos mecanismos para evitar abusos cometidos por
policiais, em especial durante abordagens em favelas e periferias.
O projeto altera o Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41)
para acabar com o chamado auto de resistência, mecanismo legal que
autoriza os agentes públicos e seus auxiliares a utilizarem os meios
necessários para atuar contra pessoas que resistam à prisão em flagrante
ou determinada por ordem judicial. Segundo a redação dada pela proposta
ao artigo 284 do código, "não será permitido o emprego de força, salvo a
indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso".
Já o artigo 292 menciona a obrigatoriedade de que a resistência à
prisão seja registrada oficialmente: "Se houver, ainda que por parte de
terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por
autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão
usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a
resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas
testemunhas".
Entre os pontos principais do texto estão a
obrigatoriedade da preservação da cena do crime e da realização de
perícia e coleta de provas imediatas. O projeto também define a abertura
de inquérito para apuração do caso, veta o transporte de vítimas em
confronto com agentes, que devem chamar socorro especializado. Substitui
ainda os termos “autos de resistência” ou “resistência seguida de
morte” por “lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “morte
decorrente de intervenção policial”.
O projeto já foi debatido no Senado em audiência
pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH)
realizada em 31 de março de 2014. Na ocasião, a presidente da CDH,
senadora Ana Rita (PT-ES), cobrou esforços da Câmara e do Senado para
aprovar a lei rapidamente.
— O auto de resistência foi criado exatamente para dar proteção
policial, só que isso se reverteu contra a população, sendo usado de
forma indevida, inadequada, levando à morte tantos e tantos, sem que
haja de fato uma investigação, porque as provas acabam sendo totalmente
mascaradas, desvirtuadas, e os processos não chegam ao final — disse.Desaparecimento forçado
Em 27 de agosto de 2013, os senadores aprovaram
substitutivo do senador Pedro Taques (PDT-MT) a projeto de lei do
senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) que tipifica o crime de desaparecimento
forçado de pessoa, com penas que podem chegar a 40 anos de reclusão (PLS 245/2011). Atualmente, o projeto tramita na Câmara dos Deputados.
A proposição define desaparecimento forçado de pessoa
como sendo qualquer ação de apreender, deter, sequestrar, arrebatar,
manter em cárcere privado, impedir a livre circulação ou de qualquer
outro modo privar alguém de sua liberdade, em nome de organização
política, ou de grupo armado ou paramilitar, do Estado, suas
instituições e agentes ou com a autorização, apoio ou aquiescência de
qualquer destes, ocultando ou negando a privação de liberdade ou
deixando de prestar informação sobre a condição, sorte ou paradeiro da
pessoa a quem deva ser informado ou tenha o direito de sabê-lo.
Segurança nacional
O projeto do novo Código Penal (PLS 236/2012), em tramitação no Senado, é explícito ao revogar a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983)
sem prever a sua substituição. O relator da matéria na CCJ,
senador Vital do Rêgo, explicou a questão no substitutivo que
apresentou na comissão.
"Mesmo essa lei sendo considerada um entulho ditatorial, não se pode
simplesmente deixar de criminalizar algumas condutas, como, por exemplo,
a tentativa de golpe de Estado, cuja punição é exigida na Constituição.
Decidimos, por isso, incluir um novo grupo de crimes, encampando o
trabalho de outra comissão de juristas, que já se debruçara sobre o
assunto no passado", afirmou o relator.
A atual versão da Lei de Segurança Nacional, de 1983,
é questionada em face da Constituição de 1988 e tem sido raramente
aplicada.
Outro projeto (PL 3054/2000), que também busca a revogação da Lei de Segurança Nacional aguarda votação na Câmara dos Deputados.
Direitos humanos
O PL 301/2007, do deputado Dr. Rosinha (PT-PR), define
os crimes contra os direitos humanos e regulamenta a cooperação
judiciária com o Tribunal Penal Internacional (TPI). A matéria está
pronta para votação na Câmara.
No Senado, a PEC 15/2010
facilita o deslocamento da competência para julgar crimes graves de
violação de direitos humanos. A proposta, do ex-senador Roberto
Cavalcanti (PRB-PB), originalmente federalizava os crimes cometidos
contra jornalistas, em virtude do exercício de suas funções. O senador
Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), relator da proposta na CCJ,
apresentou substitutivo no qual salienta que todas as competências
estabelecidas para o julgamento de ações pela Justiça Federal são
fundadas em legítimo interesse da União, o que não ocorre,
necessariamente, no caso de crimes praticados contra jornalistas.
Argumenta ainda que, se a preocupação é com a defesa
da liberdade de imprensa e de expressão, do direito à informação e da
integridade física dos jornalistas, a chamada "federalização" de crimes
contra os direitos humanos "já é uma possibilidade contemplada pela
Constituição", que prevê a competência da Justiça Federal para processar
e julgar as "causas relativas a direitos humanos".
O relatório de Valadares aguarda votação na CCJ.
Justiça militar
Tema de controvérsia desde a promulgação da
Constituição de 1988, a competência de julgar civis em tempo de paz
poderá ser retirada da Justiça Militar. É o que propõe o PL 5704/2013,
do deputado William Dib. Na justificação da proposta, apesar de
lamentar a persistência de interpretações divergentes nos tribunais
superiores, o autor destaca a tendência do Supremo Tribunal Federal
(STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de restringir a aplicação
da Justiça Militar a civis.
O deputado ainda menciona a diferença de tratamento
entre a Justiça Militar estadual, que é proibida pela Constituição de
julgar civis, e a Justiça Militar da União, que rotineiramente processa e
julga os crimes militares “sem se importar com quem seja o seu autor”.
O projeto tramita em conjunto com o PL 7770/2014.
Homossexuais
O PL 2773/2000
altera o Código Penal Militar (CPM), excluindo do texto a referência a
homossexualismo e a pederastia em artigo que estabelece punição para
atos libidinosos praticados em locais sob administração militar. A
redação atual do Art. 235 do código, redigido em 1969, se refere a “ato
libidinoso, homossexual ou não”; o projeto, do deputado Alceste Almeida,
cita somente “ato libidinoso”.
Aprovado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, o projeto aguarda votação em Plenário.
A proposta ganhou destaque em 2008 com a revelação do
caso de Laci de Araújo, sargento do Exército que foi preso depois de
assumir relacionamento homoafetivo com um colega de farda.
A referência a atos libidinosos homossexuais também
foi questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que, em
setembro de 2013, ajuizou no Supremo Tribunal Federal questionamento da
constitucionalidade da referência a “pederastia ou outro ato de
libidinagem” no CPM. Segundo a então procuradora-geral interina,
Helenita Acioli, impedir o ato sexual voluntário “afronta a dignidade da
pessoa humana” e exacerba a inadequação das instalações militares para
homossexuais e mulheres. Porém, seu sucessor na PGR, Rodrigo Janot,
pediu o arquivamento da ação.
FONTE: Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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