13/04/2015 - Alta tributação e sonegação fiscal achatam rendimentos dos caminhoneiros
Benedito Oliveira, dono de um 1620 vermelho, a cor das carretas guiadas pelos personagens de Jorge, um brasileiro,
prefere perder o carreto a receber uma carta-frete, prática proibida no
Brasil desde 2010 e que ainda abastece o mercado informal, alimentando a
sonegação fiscal em mais de R$ 10 bilhões por ano. Trata-se de um
“documento” emitido pela contratante ao carreteiro autônomo com o valor
do carreto. De posse dele, o chofer o troca em postos de combustíveis
selecionados pela transportadora ou embarcadora na compra de diesel ou
outros produtos. Os postos, contudo, exigem que os estradeiros gastem
pelo menos 40% da carta-frete, cobram ágio no diesel, em outros produtos
e no “troco”, sob a alegação de que só vão receber a quantia do emissor
num prazo superior a 30 dias.
Na prática, a carta-frete é uma espécie de cheque pré-datado.
Ela beneficia o emissor, que não recolhe impostos e usa a quantia que
será paga a prazo para capital de giro. Fortalece, também, o caixa dos
postos, que ganham no ágio. Por sua vez,
prejudica o caminhoneiro, que paga a mais pelo diesel e precisa
consumir produtos dos quais, às vezes, não necessita para atingir o
mínimo de 40% exigido pelos postos. A sociedade é outra que perde, uma
vez que a sonegação de tributos reduz, na teoria, o investimento público
em obras e serviços essenciais. A Polícia Federal instaurou diversos
inquéritos para apurar denúncias de crime.
“Muitos caminhoneiros aceitam a carta-frete para não ficar sem o
carreto”, explica Alfredo Peres, presidente da Associação dos Meios de
Pagamento Eletrônico de Frete (Ampef). A entidade recorre a uma pesquisa
da empresa de auditoria e consultoria Deloitte para esclarecer o
cálculo da sonegação. De acordo com esse levantamento, o frete informal
movimenta mais de R$ 60 bilhões no país. Já um estudo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou que a movimentação
formal com o frete foi de R$ 16 bilhões. A diferença de R$ 44 bilhões é o
volume que o governo, segundo a Ampef, não enxergou e, numa projeção
modesta de recolhimento de impostos sobre a arrecadação, diz Peres, R$
12 bilhões são mais do que críveis.
“Se eu recebesse a carta-frete, ficaria refém dos postos. E pagaria a mais pelo diesel”,
diz Oliveira, o dono do caminhão vermelho. Ele leva bobinas de Timóteo,
no Vale do Aço, para Campinas (SP). Em algumas viagens, tem a companhia
da esposa, Rosimeire, de 49, e a do filho Fernando, de 10. O sobrenome
do estradeiro é o mesmo de um dos personagens de França Júnior. No
livro, Oliveira é um homem resmungão. Já o marido de dona Rosimeire é
bem diferente do xará da ficção. Porém, ele também sai do sério quando o
assunto é o preço do diesel. “Subiu muito nos últimos meses.” Lamento
partilhado por Geraldo Carlos Pinto, de 58, que conduz um FH 380 do Vale
do Aço para o Nordeste. Ele fica ainda mais indignado ao se lembrar de
que 40,5% do preço do combustível é composto por tributos, uma palavra
que parece lhe causar um enjoo tão grande quanto a disparada da carga
tributária no Brasil, um dos maiores entraves ao crescimento da
economia.
Sem Retorno
Desde 1988, quando a atual Constituição Federal foi sancionada, a
participação percentual da soma dos impostos no Produto Interno Bruto
(PIB) do país avançou de 20,01% para 36%. “O combustível não para de
aumentar”, reclama Geraldo. Nos últimos seis meses, o valor médio do
litro no estado encareceu 8%, de R$ 2,61 para R$ 2,82, segundo a Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) – o
percentual é quase o dobro do centro da meta da inflação projetada pelo
governo para 2015 (4,5%). O combustível representa 40% do custo com o
frete e 58% das mercadorias transportadas no Brasil são levadas em
caminhões.
A carga tributária nacional (36%) é semelhante à de países do
primeiro mundo. Já o retorno que o brasileiro tem com os impostos é
parecido ao de nações subdesenvolvidas, como mostra estudo do Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). A entidade criou o Índice
de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), indicador que compara a
relação entre os impostos e o PIB com o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) de 30 países. A carga tributária no Brasil representa 36% do PIB,
acima da apurada no Canadá (30,07%), Reino Unido (35,2%) e nos Estados
Unidos (24,3%), entre outras nações.
Por sua vez, o Irbes – quanto mais alta a nota, melhor o retorno à
população – ficou em 135,34 pontos, o pior resultado no ranking, atrás
dos vizinhos Uruguai (8º lugar) e Argentina (24ª posição). “Quem acaba
pagando a conta é o consumidor final”, diz João Eloi Olenike, presidente
do IBPT.
O último frete de Geraldo durou 16 dias. Justamente na semana do
aniversário dele: “Passei a data na companhia de Deus. Estava longe de
casa, em Fortaleza (CE)”. Morador de Caratinga, no Vale do Aço, a 2,2
mil quilômetros da capital cearense, o chofer esperou na fila quase uma
semana para descarregar o FH 380, com capacidade para 26 toneladas.
Durante a viagem, longe de casa, ele sentiu saudades da família,
sentimento que Jorge nutria pela namorada com frequência.
O Preço do Banho
Vida de estradeiro não é fácil. Muitos sofrem para manter a própria
higiene em dia. Jorge, o narrador-protagonista, tratou do assunto na
ficção de França Júnior: “(…) Falei para o Teo que ia dar uma urinada. E
fui e entrei no banheiro que estava entupido e parecendo uma lagoa”. Em
Minas, muitos postos de combustíveis cobram para que o caminhoneiro use
o chuveiro. “Cheguei a pagar R$ 10 por um banho próximo a Ouro Branco
(Região Central do estado)”, recorda Wanderson Marcelino, de 40 anos. Na
última semana, em Caratinga, a chuveirada saiu mais em conta (R$ 4). É
comum donos de postos concederem um vale-banho ao carreteiro que
abastecer pelo menos 100 litros de diesel no estabelecimento.
Fonte: Estado de Minas Texto de Paulo Henrique Lobato
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